quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Da música e seus contraditórios

Por José de Paiva Rebouças
Da música e seus contraditórios


Escandalizou-se comigo um conhecido quando lhe disse que não tenho hábito de ouvir música estrangeira e que nem gosto muito. Embora ele não saiba outra língua a não ser essa nossa variação do português potiguar, me chamou de antiquado, alertando-me que a música, pela própria expressão, é universal. Não tenho dúvida disso e respeito o seu ponto de vista. O fato é que eu, como sujeito de poucos experimentos musicais, só empresto os ouvidos a umas poucas canções de fora, em sua maioria, balada e folk. De outra, só a música clássica da qual me alimento diariamente, sobretudo, quando se trata da fase mais dramática do intocável Richard Wagner. Afora isso e ao Chico Buarque, disse a ele, o Nordeste me basta. Então parece que o afrontei. Não satisfazia ser eu um tolo nacionalista, agora parecia a ele um estúpido regionalista, posto que, em breve, não me restaria outra saída a não ser me assumir como xenófobo, cuspiu-me.
Já fui um extremista e, quem sabe, isso tenha contribuído para o meu atual civismo, entretanto é preciso considerar que a minha região se completa em termos de arte a ponto de eu não ter tanta necessidade externa. Expliquei-lhe.

Mas o amigo não se convenceu e acabou me enchendo de perguntas, prontamente respondidas, assim, na ponta da língua, ou a palo seco, como diz Belchior. Aliás, foi esse o primeiro nome que lhe dei quando questionado sobre obras imortais. Falei ainda do Caetano e do Chico Cesar, que tenho como um dos maiores compositores românticos deste mundo. O amigo só conhecia Mama África e riu por isso. Perguntou-me das mulheres, quis dizer Khrystal, mas para não parecer arrogante, arrisquei Maria Bethânia para ver se o abalava. Achou brega. Maria Bethânia brega, eu disse, tem o que ver! E tinha mesmo: ele só lembrava-se dela cantando É o amor.

Sugeri Elba, Rejane Luna, Valéria Oliveira, Hermelinda, Amelinha, Simone, Rita Ribeiro, Clã Brasil, Rosa de Pedra, Roberta Sá… Mas ele confundiu algumas e desconhecia a maioria. Reclamou que no Brasil só sabem fazer bem o samba, o que concordei em parte, porque também gosto de samba. Mas ele disse ainda que eram os estadunidenses quem mais produziam coisas novas para o mercado fonográfico. Isso me forçou a uma reflexão. Perguntei-lhe, então, o que estavam produzindo Lenine, Elomá, Xangai e os muitos outros que fazem e fizeram da música verdadeiras poesias, como o velho Alceu, Fágner, Ednardo e Tom Zé que exportou a musicalidade artístico-brasileira. Ele não “curtia nem conhecia”.

Achou-me ainda mais careta e sem graça e me veio falar de nomes que nem saberia escrever. Falei de Luiz Gonzaga, mas ele achou o “cúmulo da breguice e da antiguidade”, assim, com essas palavras. Perguntei então o que achava de Raul Seixas, completando que tinha todos os seus álbuns, ainda que num MP3. Aí desse ele gostou. Tentou fazer alguns sons e tal, mas eu o interrompi, lembrando que a música de Raul é originária do baião de Luiz, influenciada por Elvis que tinha tudo para ser um nordestino. Ele riu da minha cara como se fosse impossível um bêbado gordo com costeletas ridículas parecer brasileiro.

Tentei falar um pouco mais sobre Gonzagão, puxando para Zé Dantas, o pernambucano potiguar, Jackson do Pandeiro e até Elino Julião, mas já era tarde. Ele colocou um fone de ouvido numa orelha e estendeu-me o outro me oferecendo um tal de Black Eyed Peas.

Não, obrigado, eu disse, e saí.

SubstantivoPlural via PC.

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