quinta-feira, 8 de setembro de 2011

As cidades onde não nasce ninguém - Reportagem do jornal DeFato

JOSÉ DE PAIVA
Da Região Serrana


 

Há pelo menos um ano, ninguém nasce mais em Martins, desde que a Coordenação de Vigilância Sanitária (COVISA) interditou a sala de parto e cirurgia, lavanderia e área de esterilização do Hospital-Maternidade Dr. Manoel Vilaça, a Apami. Desde então, as grávidas do município precisam descer a serra para "descansar" em Pau dos Ferros ou Alexandria, a 73km (1 hora) e 44km (40 minutos) de distância, respectivamente.

Foi o que aconteceu com Flaviana Fernandes, 25 anos, quando precisou fazer uma cesariana da segunda filha, Maysla Rafaela, que vai completar um mês de vida. Embora todo o pré-natal tenha sido em Martins, o parto foi realizado em Pau dos Ferros com outra equipe. Sem parentes em Pau dos Ferros, assim que Flaviana recebeu alta teve de conseguir um carro para voltar para casa, mesmo necessitando de repouso absoluto devido à intervenção cirúrgica. "Pior foi no dia que comecei a sentir dores e quando cheguei lá era alarme falso. Fiquei na rua até o final da tarde, esperando que o carro da Prefeitura fosse me buscar", reclamou.

A filha de Vandeilma Silvana, Valesca Emanoel, já está com três meses. Apesar de morar em Martins, o seu parto foi feito em Alexandria. Sua avó, Maria Vilma, disse o quanto foi doloroso para a filha viajar os mais de 40km sentindo dor. "Tivemos que trazer ela no outro dia logo. A sorte é que temos um carrinho", completou.


No outro extremo da serra, no município de Portalegre, a situação é ainda mais grave. Ninguém faz um parto por lá há pelo menos sete anos e isso tem deixado muitas mães com prejuízos e sequelas irreversíveis. Fabrícia da Silva teve Pedro Laurentino Neto há 11 meses, mas ainda não esqueceu a dureza que foi retornar de Pau dos Ferros. "É uma viagem muito longa para quem está cirurgiada; a gente sente muita dor", afirma. Sua primeira filha, Ana Alice, já está com três anos, e também não nasceu na cidade serrana.

Antônia Edjaneide lembra que Douglas, seu filho mais velho, de sete anos, ainda nasceu em Portalegre. Mas, para ter a pequena Ana Júlia, de três meses, precisou ir para Pau dos Ferros. "Toda grávida daqui tem de descer a Serra", explicou. Ela disse ainda que houve casos de mulheres que pariram no caminho e até perderam seus filhos por falta de assistência.

O problema também tem a ver com a Associação de Proteção e Assistência à Maternidade e à Infância (APAMI). A unidade possui estrutura e equipamentos novos; o que falta, segundo a administração, são recursos e profissionais.

Voltando ao outro extremo da montanha, nenhum dos pouco mais de 4.500 habitantes de Serrinha dos Pintos, a 5km de Martins, nasceu lá. Antes, os partos eram feitos na cidade vizinha. Com o problema na Maternidade Dr. Manoel Vilaça, as gestantes também precisam se dirigir a Pau dos Ferros ou Alexandria, que, por serem municípios-polos, dispõem de maior estrutura hospitalar.

O município possui uma unidade mista de saúde e se destaca em algumas ações nessa área, mas também não pode manter uma maternidade, repetindo a situação de dezenas de pequenos municípios potiguares que dependem dos hospitais regionais para garantir a natalidade de sua população.
 

Hospitais são abandonados na serra
 
Uma curiosidade e semelhança entre os municípios de Martins e Portalegre é que ambos possuem aparelhos de saúde semelhantes. Além dos postos de saúde básica e três equipes do Programa Saúde da Família (PSF), as duas cidades têm uma Apami funcionando precariamente e um hospital que nunca foi concluído. 

Em Martins, a unidade mista de saúde, que atenderia os casos de baixa e média complexidade e obstetrícia, começou a ser construída em 1994, no governo do prefeito Marcos Fernandes. Entre os anos de 2006 e 2007, o prefeito Haroldo Teixeira concluiu a estrutura física e comprou parte dos equipamentos, mas a empresa contratada não teve como entregar tudo antes do fim do seu governo em 2008.

Segundo o vereador Severino Paiva, "Bibiu", desde que assumiu o Executivo, a prefeita Maria José Gurgel não fez nada pelo hospital. O prédio extenso na entrada da cidade, com diversas alas, está sendo engolido pelo mato e lixo. Os equipamentos continuam encaixotados.

Em Portalegre, um hospital, que também não tem nome, começou a ser construído, mas nunca foi terminado. A estrutura física erguida numa das ruas principais da cidade, logo após a Prefeitura, é imponente para o pequeno município, mas está se deteriorando e servindo de abrigo para sem-teto. 

De acordo com o diretor da Apami de Portalegre, Manoel de Freitas, "Neto da Emater", o projeto desse hospital foi feito de forma errada. "Ora, se já tínhamos uma maternidade com crônica crise financeira, como poderíamos manter outra unidade hospitalar?", questionou.

APAMI DE
PORTALEGRE

Neto da Emater reclamou da falta de recursos e profissionais para manter funcionando a obstetrícia da Apami do município. "A diferença de hoje para antes na maternidade é que parteiras e enfermeiras poderiam realizar os partos; agora, só se aceitam obstetras", explica Neto, lembrando a dificuldade de contratar esses profissionais.

De acordo com ele, são necessários pelo menos R$ 50 mil para manter o lugar em pleno funcionamento. "O dinheiro recebido hoje para manter a Apami é menos do que a Prefeitura paga a um médico", disse, referindo-se à verba de R$ 10 mil oriunda do programa Hospital de Pequeno Porte (HPP), do Governo Federal.

SEM CONTATO

A reportagem do JORNAL DE FATO esteve na sede da Prefeitura de Martins, tentando contactar o secretário de Saúde, Frank Andrey, para falar sobre a situação do hospital, mas ele não estava. Um atendente ligou em seu telefone celular e este pediu para que ligasse mais tarde. As ligações foram feitas, mas até o fechamento desta edição Frank não atendeu nenhuma das tentativas.

A reportagem procurou ainda conversar com Sueli Galdino, diretora da Maternidade Dr. Manoel Vilaça, mas, quando conseguiu encontrá-la, por meio do telefone, ela pediu para ligar para a maternidade e falar com seu esposo, Raimundo Leite. No entanto, segundo uma atendente, ele não se encontrava.

SOLUÇÃO
Uma saída para o problema dos partos e da saúde no Oeste pode ser a Rede de Atenção Materno-Infantil que vem sendo desenvolvida pelo Governo do Estado. Na semana passada, a Secretaria de Estado da Saúde Pública (SESAP), através da Coordenadoria de Promoção à Saúde (CPS), realizou em Pau dos Ferros uma das oficinas de qualificação pessoal para a construção da rede. 

De acordo com a assessoria do Governo, as oficinas - conceituais e práticas - se propõem a uma reflexão sobre o Sistema Único de Saúde (SUS), suas principais dificuldades e a necessidade de mudar o atual modelo de atenção, para atender satisfatoriamente as necessidades de saúde pública da população e, dessa forma, melhorar os indicadores relacionados ao SUS de forma regionalizada.

Segundo Neto da Emater, um dado preocupante mostra que 75% dos partos feitos hoje na região são por intervenção cirúrgica. "Isso acontece porque as pequenas cidades não possuem maternidade e as mães têm medo de complicação caso tenham de esperar o parto normal, por isso elas agendam", informou. Para ele, um dos propósitos da Rede de Atenção Materno-Infantil é trazer de volta a figura das parteiras, que resolveria parte desse problema.

Segundo o Conselho dos Secretários Municipais de Saúde do Estado (COSEMS-RN), outro dado preocupante, apresentado pela Promotoria de Defesa da Infância e da Juventude, mostra que a taxa de mortalidade materna no Estado vem crescendo desde os últimos anos. Em 2006, eram 24,8 mulheres para cada 100 mil nascidos vivos. Em 2007, o percentual foi para 27,2. Em 2008, subiu para 36,1, e em 2009, saltou para 52,7. O índice máximo admitido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) é de 20 mulheres para cada 100 mil nascidos vivos.

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